LUPA
A
artista Lúcia Neto reuniu, no início de 2014, um grupo de pessoas com
deficiência visual, realizando com eles trabalhos plásticos tridimensionais. O
processo teve como ponto de partida discussões sobre o tema “identidade”. Cada participante
desenvolveu um conceito-chave, imagem que alegoriza a percepção que tem de si próprio.
Dessas palavras derivaram as criações que agora são expostas.
Os
objetos resultantes desse processo constituem territórios de subjetividade. A
mostra articula-se na relação entre esses territórios, tão singulares em forma
e conteúdo: a criação de Ary Francon sugere um tapete de pele de tigre, animal que
é símbolo de poder – poder que ganha, nessa representação, comentário finamente
irônico; Gilmar Lima faz referência direta a uma simbologia religiosa,
expressando seus vínculos com a transcendência; o trabalho de Marcelo Arruda é enigmático:
seu delicado pássaro está pousado sobre sólida pedra. Entre os dois elementos, impõe-se
contraste expressivo que transborda poesia; Thiago Francisco materializa no
trem-bala sua ânsia por velocidade, expressando irrefreável otimismo e uma
energia voltada para o futuro.
Para
a mostra no Memorial da Inclusão, Lúcia Neto concebeu duas peças de sua
autoria, também disponíveis ao toque. Ela estabelece, dessa forma, diálogos plástico/poéticos
com esses criadores, dando sequência ao processo dialógico de LUPA. O universo
da artista é centrado em movimento, leveza e alegria. Suas composições
constituem uma celebração dançante do encontro e da vida.
LUPA
propõe abordagem experimental no campo da fruição: convida o público a assumir
posição inversa àquela que está habituado, estabelecendo contato inicial com as
peças através do toque. Num segundo momento, através da audiodescrição. Por
fim, através da observação visual. A
opção por priorizar o campo tátil e a informação por áudio – neutralizando,
temporariamente, a atuação do olho – coloca em evidência facetas essenciais do
processo de percepção da obra plástica: intuição, imaginação, raciocínio
dedutivo, memória, emoção, sensações não visuais. O branco das obras – neutro e
luminoso - abre ainda mais esse campo, estimulando o público a projetar nele
cores de sua imaginação.
Hélio
Schonmann